quinta-feira, 21 de novembro de 2013

TARDE DE DOMINGO




Tarde de domingo,
chuva boba,
no telhado,
rola, rola,
miúda e boba,
gota a gota,
pelo chão.

Tarde de domingo,
música ao longe;
“Pastoral”, talvez;
talvez, “Quebra Nozes”,
ou, “Você Passa
e eu acho graça”,
da Clara,
Nunes Clara.

Tarde de domingo,
o menino
sem sapato,
sem guarda-chuva,
na chuva,
que rola,
miúda e boba
gota a gota:
plasch-plac,
plac-plasch
pelo chão.

Tarde de domingo,
o menino
não está triste;
canta uma canção.

Não tem destino,
não partiu,
vai chegando,
não chega,
vai partindo,
rola, rola,
rola mundo,
mundo rola,
mas cantarola,
na tarde de domingo,
(tão miudinho)
como a chuva boba,
boba e miúda
que rola,
gota a gota,
lavando, de graça,
seus olhos de graça,
na tarde de domingo.


UM ANJO DORME



Um anjo dorme
na espiral das cinzas.

O seu soluço,
costura
os espaços da amplidão.

É infinitamente,
triste e belo,
meu mancebo
dormindo na espiral das cinzas.

Psiu, Psiu,
dorme, dorme,
angelical Serafim,
É melhor assim.


Manvile 06-07-87

CANÇÃO MACABRA




Seres estranhos,
figuras tortas,
esquálidas e inermes,
vi,
catando lixo,
o lixo
que me pertence,
o lixo
que perdi.

Vieram em bandos,
emergindo dos esgotos,
uns, escancarando a sombra de velhos,
outros, a silhueta de meninos,
mas todos rotos,
mais que trapos,
- vermes de lá-,
abjetos daqui-
com mãos biformes,
esguias muletas,
catando lixo,
lixo das latas,
lixo dos becos e sarjetas,
o lixo
que me pertence,
o lixo
que perdi.

E num repente,
em bandos diluídos,
-espavorida coorte-,
para dentro das estrelas,
para os confins dos horizontes,
partindo todos,
os vi,
feitos monturos de lixo,
do lixo
que me pertence,
do lixo,
que perdi.


O QUOTIDIANO



Estou pensando...
Bate o tamborim...

A vida desfila...
Toca o flautim...

Ai de mim...

É o fim...

REFLEXÃO





A vida palpita,
torce e se retorce
por entre a fumaça das chaminés.

Pouco a pouco,
a vida passará
e restarão as chaminés,
a fumaça das chaminés
na forma de cogumelos
redondos e letais.

Alguém, então, perguntará,
e talvez, não terá resposta,
onde o homem que pensava,
fazia versos,
abraçava flores,
traduzia modinhas
para o menino
recém-vindo com as mãos
cheias de pandorgas
e verdes balões de festas?

A rosa dos cogumelos
roxos e vermelhos

marcará a história das chaminés.

O VÔO DA ESPERANÇA



Uma canção furtiva
de pássaros em fuga,
interrompe a bulha das ogivas
e o mataclar mortífero,
varrendo do espaço, a Estrela:
dos jardins, a flor.

Mas, - fugitivos pássaros,
- dão o compasso
da vida que estertora
em acordes
e reticências finais.

É o vôo da esperança
entre recortes de asas partidas,
no vácuo da Existência.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

EPÍLOGO


EPÍLOGO

As águas, solenes e transversais,
vinham do sul.
Os ventos que as conduziam,
afloravam  em lamentos,
os profundos sofrimentos
originais da insônia
e oriundos da morte.

Na vasta amplidão,
vergada
e pungida
por espigões de espumas.
-correntes de espasmo sideral-
o homem invoca a santa,
o cão, a alcova.

Nos céus, os grandes astros
atônitos e inconscientes,
vomitam
trovões roxos e incandescentes
sobre as faces excomungadas
e as frontes penitentes.

Calma e impávida,
uma andorinha,
(no vai-vem do horizonte),
descreve, no espaço desvairado,
o vôo redivivo
da vida.

E a rosa tresloucada,
em mil pétalas encontrada,
perfuma os ventos
e, as águas esparge de perfume.

SÚPLICA



AO MORRER,
TRAGA-ME A ROSA DOS VENTOS,
QUE DOS ESPINHOS,
FIZ UM CATAVENTO...