Fecho o livro. A noite é translúcida, então, ele se abre por completo. Todas as verdades não entendidas, quando aberto, brotam e borbulham na mente, como fagulhas efervescentes. Espicaçam a imaginação e reverberam o cérebro.
São gemidos pungidos de esfarrapados, na cara da Justiça Social. Corpúsculos inermes, nervos retorcidos à sombra de espantosos e o pulentos hospitais, tinindo de bisturis e arsenal de coisas e indivíduos para curar e fazer andar. Retângulos pesados e opacos de homens e mulheres, e crianças, nas alamedas santificadoras, aparvalhados pelas cantilenas dos “profetas” vorazes, pregando o futuro do Messias que, somente eles o conhecem. Pregando a redenção de seus bolsos.
São estampidos de bombas sob o silêncio genuflexo da manjedoura, com um menino emergido do limiar da História e reclinado no poente dos tempos, e bois longos e cismadores com mungidos felizes de serem as raras testemunhas de uma promessa de remição, esquecida pelos sábios.
É o mataclar das fábricas e os serpenteios das charruas famintas, diante das sombras esquálidas da semente estéril.
São os “slogans” apopléticos dos mandatários impotentes, sem nada explicar a dor de viver, sob o céu grande, muito grande, longe muito longe, com cinco estrelas saltitantes, carimbando os olhos com uma cruz.
E, uma por uma, verdades incruentas, cruentas verdades, irrompem em vagas, vergastando minha face, do livro fechado, encolhido, no canto da mesa partida, na sala do bruxuleio da vela já gasta, mas sem fim.
À noite, faz-se tormenta. As horas pigarreiam Tic-Tac, Tac-Tic... E a enorme angústia e a nojenta solidão do homem concreto, diluído diante do incompreensível, despencam do bojo do livro fechado, tombado num pedaço de lugar qualquer. Mas todo o livro ocupa todo o lugar de um mundo-cão.
É o mistério da vida, na vida do mistério.
O anúncio do Ser no Ser de um livro adormecido e esmagado na concha das mãos. E nada mais.
O incrível, no entanto, é que, acabara de ler, apenas, o título de livro de Clarice Lispector: “PARA NÃO ESQUECER”...