sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O POEMA DO PRETINHO



O pretinho da Tia Chica,
-viúva do viaduto
do trem
que apita
bé, bééé, bé,
e vai e vem,
vem e vai,
vai e vem
da capital,
acorda a Santinha,
que o trem
vem,
vem
da Capital.

Berra o trem
béé, báá, bii...
vai e vem,
vem e vai
com gente branca,
gente preta,
gente branca,
gente preta;
sapato,
manteiga,
biscoito,
gravata
tem, tem
trem
que vai e vem
da capital.

O pretinho da Tia Chica,
(pretinho como a noite sem luar),
espera o trem
que vai e vem,
vem,
vem,
da capital...

Gravata não tem,
biscoito não tem,
sapato não tem,
pão – manteiga,
não tem,
não tem...

Olha o trem,
que vai e vem,
vem
da capital,
com gravata,
biscoito,
sapato,
pão – manteiga,
chocolate,
café,
vem,
vem
o trem
da capital.

O pretinho da Tica Chica,
quando ficar homem,
sem lombrigas
e sem fome,
quer o trem de papai
que vem e vai,
vem
da capital.

AH! Agora sim,
Pretinho da Tia Chica,
espera o trem
que vem,
vem,
vem
da capital,
com papai,
béé, bibi,
uíuí,
com papai,
com papai...

X    X    X    X
Pretinho,
Pretinho,
não acorda a Santinha,
não acorda a santinha,
que o trem
não vem,
não vem
da capital,
...com papai,
com papai...

STA. Maria 1962.


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A MULINHA DO LEITEIRO:



Lá vai, a mulinha do leiteiro
puxando uma carrocinha:
Tac-tac,
Trop-trop...
Coberta de sereno,
com uma estrela na testa,
tão pura e mansa,
mais branca que o leite
que carrega e a carregar
não cansa.

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O relâmpago – estética do espaço –
iluminou a curva da morte,
enquanto o molusco,
-visguento e belo –
tentava o equilíbrio
na vertical evolutiva de Darwin
em busca do fracasso da mente

A cova solene e petrificada
escancara o mistério
que a vida renegara.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O VÔO DA ESPERANÇA



Uma canção furtiva
de pássaros em fuga,
interrompe a bulha das ogivas
e o mataclar mortífero,
varrendo do espaço, a Estrela:
dos jardins, a flor.

Mas, - fugitivos pássaros,
- dão o compasso
da vida que estertora
em acordes
e reticências finais.

É o vôo da esperança
entre recortes de asas partidas,
no vácuo da Existência.


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

“O CARROCEL”


(Artigo 121, inciso 3º do Código Penal).

Carrossel, gira, gira,
gira, gira carrossel...
Não é azul,
nem de jasmim.
É negro e luzidio,
de puro pau marfim.
Tem rodas robustas,
emblemas e bandeirolas.
Não é de cirandas
 e cinderelas pascais.
É de ferro, carcaças
céreas e letais.

Tem carga valiosa;
retinas verdes e azuis,
nádegas frágeis e juvenis.
Não tem pássaros,
nem pandorgas,
mas lapelas escarlates,
crepes e cetins.

 Carrossel gira, gira,
vai e vem, vem e vai,
com força, rapidez total,
entre alamedas de ciprestes
e papoulas outonais.

E... o dono do mundo,
de fraque, cartola e pincenê
comanda a dança das horas
em sua redoma de cristal...





terça-feira, 14 de agosto de 2012

TIC – TAC.



Fecho o livro. A noite é translúcida, então, ele se abre por completo. Todas as verdades não entendidas, quando aberto, brotam e borbulham na mente, como fagulhas efervescentes. Espicaçam a imaginação e reverberam o cérebro.
São gemidos pungidos de esfarrapados, na cara da Justiça Social. Corpúsculos inermes, nervos retorcidos à sombra de espantosos e o pulentos hospitais, tinindo de bisturis e arsenal de coisas e indivíduos para curar e fazer andar. Retângulos pesados e opacos de homens e mulheres, e crianças, nas alamedas santificadoras, aparvalhados pelas cantilenas dos “profetas” vorazes, pregando o futuro do Messias que, somente eles o conhecem. Pregando a redenção de seus bolsos.
São estampidos de bombas sob o silêncio genuflexo da manjedoura, com um menino emergido do limiar da História e reclinado no poente dos tempos, e bois longos e cismadores com mungidos felizes de serem as raras testemunhas de uma promessa de remição, esquecida pelos sábios.
É o mataclar das fábricas e os serpenteios das charruas famintas, diante das sombras esquálidas da semente estéril.
São os “slogans” apopléticos dos mandatários impotentes, sem nada explicar a dor de viver, sob o céu grande, muito grande, longe muito longe, com cinco estrelas saltitantes, carimbando os olhos com uma cruz.
E, uma por uma, verdades incruentas, cruentas verdades, irrompem em vagas, vergastando minha face, do livro fechado, encolhido, no canto da mesa partida, na sala do bruxuleio da vela já gasta, mas sem fim.
À noite, faz-se tormenta. As horas pigarreiam Tic-Tac, Tac-Tic... E a enorme angústia e a nojenta solidão do homem concreto, diluído diante do incompreensível, despencam do bojo do livro fechado, tombado num pedaço de lugar qualquer. Mas todo o livro ocupa todo o lugar de um mundo-cão.
É o mistério da vida, na vida do mistério.
O anúncio do Ser no Ser de um livro adormecido e esmagado na concha das mãos. E nada mais.
O incrível, no entanto, é que, acabara de ler, apenas, o título de livro de Clarice Lispector: “PARA NÃO ESQUECER”...